O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, por meio do Promotor de Justiça Alexandre Rosa Luz, ofereceu denúncia em desfavor de G. de A. A. e S. da S. em razão do cometimento do delito encartado no artigo 157, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal, pois, no dia 10/06/2021, subtraíram, mediante o emprego de arma branca, 01 aparelho celular pertencente à vítima R. P. de F.

Encerrada a instrução processual e ofertadas alegações finais escritas, o Magistrado da Vara Criminal da comarca de Rio Brilhante/MS proferiu sentença, no bojo da qual julgou procedente a exordial acusatória e condenou ambos os acusados em seus exatos termos.

No aludido veredito, foi infligida ao réu S. da S. a pena reclusiva de 06 anos e 04 meses, em regime fechado, bem como o pagamento de R$ 3.000,00 em favor da vítima, a título de indenização por danos morais, o que fez a defesa técnica interpor apelação criminal, por meio da qual, buscava-se, além de outras pretensões, o afastamento do valor reparatório arbitrado.

O apelo foi desprovido pela 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, revés que ensejou por parte do referido acusado o manejo de Recurso Especial, que, por sua vez, foi admitido pelo Vice-Presidente do TJMS e remetido ao Tribunal da Cidadania.

Naquela Corte Superior, o Ministério Público Federal, através da Subprocuradora-Geral da República Solange Mendes de Souza, emitiu parecer desfavorável ao conhecimento e contrário ao provimento do REsp defensivo, por entender que foram idôneos os fundamentos empregados pelo sodalício estadual para manter a indenização arbitrada.

Em seguida, concluso ao relator Min. Joel Ilan Paciornik, o REsp foi conhecido e parcialmente provido, monocraticamente, para afastar a quantia reparatória outrora arbitrada, sob os fundamentos de que: “A jurisprudência desta Quinta Turma está firmada no sentido de que a fixação de valor mínimo para reparação dos danos (mesmo os morais), na forma do art. 387, IV, do CPP, exige, além de pedido expresso na inicial, indicação do montante pretendido e realização de instrução específica a respeito do tema.” (fl. 452)

À vista disso, a 12ª Procuradoria de Justiça Criminal, por meio da Procuradora de Justiça Lucienne Reis D’Avila, se insurgiu através de Agravo Regimental, por meio do qual sustentou serem desnecessárias tanto a quantificação do valor indenizatório na exordial acusatória quanto a realização de instrução específica para a aferição da extensão do prejuízo, uma vez que os danos morais são lesões psicológicas de difícil mensuração no aspecto financeiro, por serem de cunho puramente subjetivo.

Destacou que o artigo 387, inciso IV, do CPP tem o objetivo de simplificar a reparação dos danos, revelando-se cabível a fixação de valor mínimo indenizatório em todos os feitos que versem sobre crimes que resultarem em dispêndio às vítimas, desde que haja pedido expresso formulado na inicial acusatória, hábil a assegurar o contraditório e a ampla defesa.

O feito foi, então, submetido ao crivo da Quinta Turma da Corte Cidadã e, após apreciação do caso, os Ministros daquele colegiado, por unanimidade, proveram o Agravo Regimental ministerial, para reconsiderar em parte a decisão agravada, pontualmente quanto à violação do artigo 387, IV, do CPP, revendo posicionamento anterior e assentando ser despicienda a quantificação dos prejuízos suportados e a realização de instrução específica para se aferir a extensão dos impactos gerados pelo ilícito penal. Confira a ementa na íntegra:

 

“PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ROUBO MAJORADO. FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO MÍNIMA POR DANOS MORAIS. ART. 387, IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA ESPECÍFICA. DIVERGÊNCIA ENTRE AS TURMAS QUE COMPÕEM ESTA SEÇÃO CRIMINAL. REVISÃO DE ENTENDIMENTO DA QUINTA TURMA PARA ADOÇÃO DO POSICIONAMENTO DA SEXTA TURMA. INEXIGÊNCIA DE INSTRUÇÃO PARA FINS DE SUA CONSTATAÇÃO. LIMITE DE PRODUÇÃO DE PROVAS EXTRAÍDO DO CONTEXTO CRIMINOSO. NÃO ALARGAMENTO, CARACTERÍSTICO DO PROCESSO CIVIL. VALOR MÍNIMO, NÃO EXAURIENTE. POSSIBILIDADE DE LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA. CASO CONCRETO. ROUBO MAJORADO. OFENDIDO QUE TEVE A ARMA NO PESCOÇO. TRAUMA PSICOLÓGICO FACILMENTE IDENTIFICADO NOS AUTOS. FIXADA QUANTIA INDENIZATÓRIA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

1. Sob análise mais acurada a respeito da alteração promovida pela Lei n. 11.719/2008 ao art. 387, IV, do Código de Processo Penal e dos julgados desta Corte, necessária a revisão do posicionamento até então adotado por esta Quinta Turma.

2. A nova redação do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal tornou possível, desde a sentença condenatória, a fixação de um valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, afastando, assim, a necessidade da liquidação do título. O objetivo da norma foi o de dar maior efetividade aos direitos civis da vítima no processo penal e, desde logo, satisfazer certo grau de reparação ou compensação do dano, além de responder à tendência mundial de redução do número de processos.

2.2. A previsão legal é a de fixação de um valor mínimo, não exauriente, sendo possível a liquidação complementar de sentença para apurar o efetivo dano sofrido, nos termos dos artigos 509, II, do NCPC. Observe-se, nesse sentido, o artigo 63, parágrafo único, do Código de Processo Penal: "transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do artigo 387 deste Código 'sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido".

2.3. A mens legis, taxativamente, não é a estipulação do valor integral da recomposição patrimonial, mas, isto sim, a restauração parcial do status quo por indenização mínima, na medida do prejuízo evidenciado na instrução da ação penal. Despiciendo o aprofundamento específico da instrução probatória acerca dos danos, característico do processo civil. A existência do dano moral ipso facto é satisfatoriamente debatida ao longo do processo, já que o réu se defende dos fatos imputados na denúncia, porventura ensejadores de manifesta indenização, justamente para que não acarrete postergação do processo criminal. Assim, é possível a fixação de um mínimo indenizatório a título de dano moral, sem a necessidade de instrução probatória específica para fins de sua constatação (existência do dano e sua dimensão).

3. Passa-se, assim, a adotar o posicionamento da Sexta Turma desta Corte, que não exige instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de sofrimento da vítima, nos termos do art. 387, IV, do CPP, bastando que conste o pedido expresso na inicial acusatória, garantia bastante ao exercício do contraditório e da ampla defesa.

4. Caso concreto: Trata-se de um crime de roubo majorado pelo concurso de pessoas e uso de arma branca, em que o ofendido teve a faca posta em seu pescoço, tendo sido constatado pelas instâncias ordinárias o trauma psicológico sofrido, já que passou a ter dificuldades para dormir e medo de ser perseguido na rua pelos acusados. Foi fixada, a esse título, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais). Destarte, em se tratando de dano moral decorrente de abalo emocional inequívoco, facilmente verificado pelas provas dos autos, com pedido expresso na inicial acusatória, deve ser mantida a condenação.

5. Agravo regimental provido para desprover o recurso especial.”

O veredito transitou em julgado em 20/09/2023 e seu inteiro teor pode ser consultado no seguinte endereço eletrônico:

https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=91&documento_sequencial=187094410&registro_numero=202203066975&peticao_numero=202300378784&publicacao_data=20230825&formato=PDF

 

Texto: 12ª Procuradoria de Justiça Criminal