Após sete anos de um longo processo judicial, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul conseguiu a intervenção judicial de um curtume de Campo Grande, o que pode representar uma vitória importante para a preservação do meio ambiente e do bem-estar dos moradores que residem próximo à região do Córrego Imbirussu.

Na decisão, o Juiz de Direito em substituição legal José Henrique Neiva de Carvalho e Silva deferiu o pedido da 34ª Promotoria de Justiça que havia solicitado ao Poder Judiciário a nomeação de um interventor judicial na empresa, com poderes de administração provisória, a fim de que ele se encarregasse de resolver as pendências e os problemas ambientais causados e documentados no processo judicial. O pedido foi formulado nos Autos nº 0803658-35.2013.8.12.0001.

Assim, o MPMS tem o prazo de 15 dias para indicar um interventor idôneo com especialidade técnica para proceder com o desfazimento/restauração dos danos ambientais causados pelo despejo clandestino de efluentes em solo e no Córrego Imbirussu praticados pela empresa, em regime de cogestão, imputando-se desde já todas as despesas decorrentes da intervenção ao executado/poluidor. Para cumprir a decisão judicial, o Ministério Público oficiará aos órgãos ambientais e ao CREA, entre outros conselhos profissionais, para listar profissionais que tenham habilitação técnica para resolver esses problemas.

Da decisão ainda cabe recurso.

Processo

Em razão dos danos ambientais ocorridos no processo industrial, esse curtume havia firmado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público Estadual em 2012, o qual não foi cumprido na íntegra, o que motivou o ajuizamento do processo de execução em 2013 (autos nº 0803658-35.2013.8.12.0001). Até hoje o curtume não cumpriu todas as suas obrigações, razão pela qual a ação segue em trâmite.

Ao longo do processo, o MPMS foi abastecido de vistorias e autos de infração por parte da Semadur, o que motivou a Instituição Ministerial, em mais de uma oportunidade, a pedir ao Poder Judiciário a interdição do empreendimento, o que chegou a ser deferido uma vez. Porém, essa decisão logo foi revertida após recurso apreciado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Também no âmbito administrativo, a empresa já havia sido interditada pelo órgão ambiental municipal, mas obteve ordem judicial para voltar a operar.

No fim de junho deste ano, após receber provas de que o curtume voltou a praticar infrações ambientais e que operava sem licença ambiental, o Ministério Público solicitou que os órgãos ambientais Semadur e Imasul exercessem seu poder de polícia administrativo, inclusive aplicando a interdição administrativa do empreendimento, o que foi providenciado. Porém, o empreendedor voltou a operar novamente, em função de uma nova ordem judicial concedida pelo TJMS, sob o fundamento de que teria havido pedido tempestivo de renovação da licença ambiental.

Independentemente de ter ou não licença ambiental válida para operar, os laudos de vistoria e as manifestações técnicas dos órgãos ambientais trouxeram evidências de que o curtume novamente praticou outros ilícitos ambientais. Com efeito, houve flagrante de despejo clandestino de efluente não autorizado pelo órgão ambiental, o que traz o risco de contaminação do solo e de recursos hídricos superficiais próximos ou recursos hídricos subterrâneos, motivo pelo qual seriam necessários estudos ambientais prévios para que o órgão ambiental pudesse autorizar ou não esse lançamento. Em virtude disso, o veículo utilizado pela empresa inclusive foi apreendido pela Decat (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Ambientais e de Atendimento ao Turista). Esse risco mostra-se presente, sobretudo porque os fiscais destacaram que era perceptível na vistoria o odor fétido e a atração de vetores (moscas), além de manchas e matéria sólida (restos de couro e peles) sobre a pastagem.

 

Alguns dias depois, em vistoria na sede da empresa, detectou-se que estava havendo a mistura de efluentes não tratados com efluentes tratados antes do seu lançamento na galeria de água pluvial, que os destinava ao Córrego Imbirussu, além da captação de água subterrânea e despejo de efluente sem outorga concedida pelo Imasul. Novamente houve o exercício do poder de polícia para paralisar a captação da água e o lançamento desse efluente. Os efluentes que eram lançados na galeria de água pluvial foram objeto de coleta e exame laboratorial, tendo sido constatada pelo Imasul a poluição do Córrego Imbirussu, uma vez que havia a ultrapassagem dos limites impostos pelas normas ambientais em alguns parâmetros (DBO, nitrogênio amoniacal, Ph e Cromo).

A conclusão técnica é de que estava configurada a poluição do Córrego, o que poderia levar à morte de peixes e outros organismos aquáticos e o desaparecimento de espécies mais sensíveis. Ademais, constatou-se que o lançamento desses efluentes, inclusive, estava conseguindo alterar a qualidade do Córrego Imbirussu, deixando-o fora de sua classe de enquadramento.

Tanto o despejo clandestino de efluentes em imóveis não autorizados como o lançamento de efluentes em galeria de água pluvial com desrespeito à legislação ambiental são comportamentos que foram praticados em outras oportunidades ao longo dos anos e noticiados no processo de execução, de modo que houve, de fato, reiteração dessas condutas. Aliás, esse curtume e seus principais administradores foram réus em ação penal por vários crimes ambientais anteriores (autos nº 0001944-39.2014.8.12.0001), movida também pela 34ª Promotoria de Justiça, havendo condenação criminal em primeira instância, com recurso tanto da defesa, para absolver, como do Ministério Público, para aumentar as penas aplicadas, de modo que nem o curtume nem seus proprietários podem ser considerados culpados ainda.

Por isso, embasado nesses novos documentos, o Ministério Público Estadual poderia até insistir em novo pedido de interdição, medida que, em casos de reiterada prática de ilícitos, pode ser a única que seja efetiva. Não obstante, para propiciar maior efetividade ao processo e salvaguardar o meio ambiente, e ao mesmo tempo evitar a paralisação da empresa e o aumento de desemprego e garantir que haja respeito aos valores sociais da propriedade e da livre iniciativa, considerando que o exercício da ordem econômica sustenta-se também na proteção ao meio ambiente, o MPMS requereu, como pedido principal, a intervenção judicial na empresa, com a nomeação de um interventor ou administrador provisório, a fim de que ele possa superar as pendências detectadas pelos órgãos ambientais e também terminar de cumprir as obrigações cobradas no processo de execução.

Confira a decisão no anexo.

Texto: Ana Paula Leite/jornalista Assecom MPMS com informações da 34ª Promotoria de Justiça

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