O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul por meio da 34ª Promotoria de Justiça, propôs Ação Civil Pública em desfavor do Estado de Mato Grosso do Sul, do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (IMASUL), da Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos de Mato Grosso do Sul (AGESUL), da Cittá Planejamento Urbano e Ambiental Ltda., da Proteco Construções Ltda., da Equipe Engenharia Ltda., da Equipav Engenharia Ltda., da Encalso Construções Ltda., e da CGR Engenharia Ltda., com os pedidos de condenação em obrigação de fazer, de não fazer e de indenização, em função de ilícitos ambientais investigados no Inquérito Civil n. 06.2016.00000716-6, atinentes à falta de implantação de medidas de mitigação de atropelamento de animais silvestres na Rodovia MS 040.
A ação foi subscrita pelo Promotor de Justiça Luiz Antônio Freitas de Almeida e foi distribuída para a 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, autos n. 0900340-76.2018.8.12.0001.
O Inquérito Civil, instaurado pelo então Promotor de Justiça Alexandre Lima Raslan, pretendia investigar o não cumprimento da condicionante específica n. 15 da licença ambiental prévia emitida pelo IMASUL para a AGESUL para a obra de pavimentação asfáltica e construção de pontes na MS 040. Essa condição impunha a AGESUL a responsabilidade de implantar as medidas de mitigação de impactos ambientais previstos no plano básico ambiental, elaborado pela empresa Cittá Planejamento Urbano e Ambiental Ltda., empresa contratada também pela AGESUL. No plano, entre vários programas, havia o programa de monitoramento da fauna silvestre, que previa a implantação de medidas para diminuir o atropelamento de animais silvestres, como a construção de passagens subterrâneas, cercamento, sonorização e instalação de redutores de velocidade, medidas que seriam definidas e implantadas no prazo máximo de um ano após a conclusão das obras.
Contudo, a investigação demonstrou que a Rodovia, cuja liberação ao tráfego ocorreu em dezembro de 2014, não teve praticamente nenhuma das medidas implantada, salvo a colocação de algumas placas de sinalização, ocorrida só em 2017 após cobrança do MPMS, em claro descumprimento da licença ambiental.
Segundo dados da Polícia Rodoviária Estadual, até setembro de 2016 houve a comprovação de acidentes na rodovia em virtude de atropelamento de animais silvestres, com quatro vítimas fatais e 36 vítimas não fatais. Além das vidas humanas, o Ministério Público Estadual, com a valiosa colaboração do Instituto IPÊ, especialmente pelas pesquisadoras e professoras Emília Patricia Medici e Fernanda Abra, conseguiu comprovar que, desde a liberação ao tráfego até início de 2018, houve a morte de 96 antas. Ou seja, a falta de implantação das medidas de diminuição de acidentes gerou imenso impacto ambiental, inclusive porque há animais classificados como vulneráveis ou em risco de extinção que atravessam a rodovia.
Também no curso do Inquérito Civil ficou detectado que o licenciamento ambiental desse tipo de atividade, tal como é realizado no Estado, padece de ausência de normas que estipulem métodos de amostragem dos animais e da implantação prévia de medidas de mitigação antes da liberação da rodovia ao tráfego, conforme estudo técnico pelo IPÊ.
Na investigação, o IPÊ apresentou um plano de implantação de medidas de mitigação de atropelamentos para a Rodovia MS 040, a fim de solucionar os graves problemas existentes, tendo, inclusive, obtido respaldo técnico do estudo pelo IMASUL. O estudo identificou os principais pontos de atropelamento (hotspots) e apresentou as medidas necessárias para evitar ou diminuir os acidentes, principalmente com cercamento e uso das redes de drenagem já existentes.
Para resolver o problema, o Parquet já havia efetuado uma Recomendação em 2017, bem como, em fevereiro de 2018, realizou reunião de trabalho com AGESUL e IMASUL. Na reunião, ficou acertado que a AGESUL apresentaria, no prazo de 60 dias, um cronograma de como atender o plano proposto pelo IPÊ ou, eventualmente, um plano alternativo. Ademais, ficou definida na reunião a formação de uma força-tarefa com representantes do IMASUL e da AGESUL, no sentido de pensar em termos de referência e atualização das normas do licenciamento ambiental, a fim de evitar o que ocorreu na MS 040 nos futuros licenciamentos ambientais de outras rodovias.
Porém, passados os 60 dias, houve resposta da AGESUL de que se pensou apenas na colocação de radares. Além de não apresentar nenhum cronograma de implantação da solução pensada, a AGESUL esqueceu que o próprio plano básico ambiental por ela apresentado e que foi aprovado pelo Instituo no licenciamento já dizia que só essa medida não seria eficiente para diminuir o máximo possível de acidentes com animais silvestres, inclusive já constava nele a previsão de construção de passagens subterrâneas e o cercamento de trechos marginais das rodovias. Por sua vez, nem AGESUL nem IMASUL apresentaram qualquer resultado da força-tarefa formada na reunião no prazo combinado.
Como ficou evidenciado no Inquérito Civil, a responsabilidade para implantar as medidas era da AGESUL e das empreiteiras contratadas pela Agência para as obras, a saber: Proteco Construções Ltda., da Equipe Engenharia Ltda., da Equipav Engenharia Ltda., da Encalso Construções Ltda., e da CGR Engenharia Ltda. Ora, a solução pensada pela AGESUL, isto é, somente a colocação de radares, simplesmente desonera as empreiteiras de cumprir sua responsabilidade contratual, não havendo prova de que tenha tomado qualquer medida de responsabilização dessas empresas pela violação de seus deveres contratuais.
Outro ponto questionado na Ação é a liberação ao tráfego da Rodovia sem a prévia implantação de, ao menos, algumas medidas para conter ou diminuir os acidentes. Conforme estudo técnico feito pelo IPÊ, a ciência consegue identificar, por vários critérios, mesmo antes de o tráfego ser liberado, alguns pontos críticos e perigosos de passagem dos animais, sem prejuízo de novos pontos serem descobertos durante o monitoramento da rodovia. Ou seja, é perfeitamente viável exigir a implantação de algumas medidas de mitigação de acidentes antes de permitir a circulação na rodovia pavimentada, ampliada, reformada ou construída.
Na Ação Civil Pública, o MPMS pede, entre outros que: todos os réus sejam condenados a implantar todas as medidas previstas no estudo técnico apresentado pelo IPÊ, no prazo de um ano, sob pena de multa; que o Estado e IMASUL, no prazo de 90 dias, sejam obrigados a elaborar estudos e aprovar normas para aperfeiçoar o licenciamento ambiental de construção, pavimentação, duplicação ou reforma de estradas e rodovias, de sorte a suprir a lacuna metodológica identificada, além de condicionar a liberação ao tráfego à instalação efetiva de algumas medidas de prevenção de acidentes, sob pena de multa; que sejam os réus condenados a indenizar os prejuízos ambientais já comprovados, sugerindo-se a quantia de R$ 10 milhões.
Em relação a este último pedido, o Ministério Público Estadual, por intermédio de estudo promovido pelo setor técnico do CAOMA (Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Meio Ambiente), Coordenado pela Procuradora de Justiça Marigô Regina Bittar Bezerra, auxiliada pelo Núcleo Ambiental, sob responsabilidade do Promotor de Justiça Luciano Furtado Loubet, desenvolveu um manual para avaliar a indenização por danos ambientais. Com efeito, de acordo com o manual, a vida de cada anta foi estimada, levando-se os custos de reposição do animal, em R$ 20 mil. Logo, somente em relação às antas, seria possível estimar um prejuízo ambiental de R$ 1.920.000,00. Assim, o valor de R$ 10 milhões sugerido engloba tanto o prejuízo ambiental com as antas como com outros animais silvestres, além de pensar nas vidas humanas perdidas e nas pessoas feridas nesses acidentes.
Texto: 34ª Promotoria de Justiça – editado por Ana Paula Leite/jornalista Assecom MPMS