Em Brasília nesta quarta-feira (04/04) no Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral de Justiça Paulo Cezar dos Passos representa o Ministério Público de Mato Grosso do Sul, juntamente com outros Procuradores-Gerais de Justiça, expondo a posição do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça em favor da manutenção do precedente do STF.

O Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Victor Hugo Azevedo, acompanhou a reunião e apresentou nota técnica sobre a constitucionalidade da execução provisória da pena após decisão de segunda instância. 

 

CONFIRA NOTA TÉCNICA CNPG N. 011, DE 2 DE ABRIL DE 2018

 

REFERÊNCIA: Execução provisória da pena.

ASSUNTO: Manifestação do CNPG acerca da constitucionalidade da execução provisória da pena chancelada por acórdão do Tribunal revisor, ainda que pendentes recursos especial e extraordinário, tese que foi fixada no Habeas Corpus n° 126.292/SP julgado pelo Supremo Tribunal Federal em fevereiro de 2016 e que retornou à pauta do Plenário do Pretório Excelso no seio do Habeas Corpus n° 152.752/PR.

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais - CNPG manifesta-se acerca da constitucionalidade da execução provisória da pena chancelada por acórdão do Tribunal revisor, ainda que pendentes recursos especial e extraordinário, tese que foi fixada no Habeas Corpus n° 126.292/SP julgado pelo Supremo Tribunal Federal em fevereiro de 2016 e que retornou à pauta do Plenário do Pretório Excelso no seio do Habeas Corpus n° 152.752/PR e o faz nos seguintes termos:

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais - CNPG expressa seu total apoio à constitucionalidade da execução provisória da pena chancelada por acórdão do Tribunal revisor, ainda que pendentes recursos especial e extraordinário.

A interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao princípio da presunção de inocência nas decisões do Habeas Corpus n° 126.292/SP e do ARE n° 964.246/SP, este último em sede de repercussão geral, não imprimiu uma visão reducionista ao sistema de garantias processuais penais previsto na Constituição Federal. Antes disso, compatibilizou o exercício daquela garantia fundamental com os demais princípios que compõem o sistema e que são determinantes para o sentido e para a dimensão que deva a presunção de inocência ter.

O princípio da presunção de inocência é apenas uma das garantias processuais que fazem parte de uma longa cadeia de garantias que integra o devido processo legal, cuja gênese teve como escopo tornar certo que o réu tivesse a oportunidade de se defender de maneira ampla; que não fosse objeto de prova, mas sujeito de direitos; que tivesse a sua disposição o contraditório em todas as suas expressões e que pudesse submeter a decisão que lhe fosse adversa a um órgão revisor diferente daquele que proferiu o julgamento original. A presunção de inocência tem sua densidade delimitada, então, por todos os demais princípios que compõem o sistema de garantias processuais, sistema esse que deve guardar coerência, adequação valorativa e unidade.

A intepretação gramatical do preceito encartado no art. 5°, inciso LVII da Constituição Federal não permite a prospecção de sua real complexidade, induzindo problemas que se refletirão sobre a coerência, a adequação valorativa e a unidade do sistema de garantias processuais penais.

Embora não haja uma definição para a expressão "trânsito em julgado" consagrada textualmente em dispositivo normativo específico, sabe-se que a coisa julgada de uma decisão é induzida pelo seu "trânsito em julgado" (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). A coisa julgada é, então, a imutabilidade da sentença de mérito e de seus efeitos. A sentença penal condenatória, no entanto, não observa a disciplina da imutabilidade. Antes, pode ela ser atacada a qualquer tempo por meio de Revisão Criminal ou, mesmo, por Habeas Corpus e, com isso, sofrer alterações. Desta forma, se uma das qualidades essenciais da sentença penal condenatória é a possibilidade de sofrer revisão a qualquer tempo; se o mandamento constitucional inserto no art. 5°, inciso LVII for compreendido como só admitindo a execução da pena após o trânsito em julgado da sentença condenatória e se o conceito de coisa julgada, tal como dispõe a literalidade da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, for a impossibilidade absoluta do decisório sofrer alteração, ter-se-ia como conclusão irretorquível a inviabilidade permanente de execução da pena, já que a sentença condenatória jamais se tornaria imutável.

Considerando que a ratio do sistema não é essa, a interpretação mais coerente a ser conferida ao dispositivo previsto no art. 5°, inciso LVII da Constituição Federal é aquela que considera a coisa julgada da sentença criminal condenatória restrita à matéria de fato, o que se opera com o esgotamento das instâncias ordinárias, no Tribunal revisor. Tal entendimento tem o condão de aglutinar todas as camadas do sistema de garantias processuais penais brasileiro, guarnecendo a necessidade de que o réu seja submetido a um processo justo, que respeite o seu direito ao contraditório, onde lhe seja garantido amplo direito de defesa, onde não seja objeto de provas e nem se permita o emprego de provas ilícitas e onde o decreto condenatório possa ser apreciado por um órgão revisor ordinário.

Tal compreensão é reforçada pela natureza dos recursos excepcionais aos Tribunais Superiores, cuja admissão se submete a requisitos estreitos, tendo como espectro questões que disponham de repercussão geral e sem aptidão para o revolvimento da matéria de fato e de prova. Daí porque não haver o ordenamento processual penal lhes conferido efeito suspensivo.

Essa dimensão conferida ao princípio da presunção de inocência e a sua compatibilidade com a execução provisória da pena vai ao encontro do entendimento que tanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas têm imprimido aos julgamentos ali havidos. Ambos os organismos ordenam o funcionamento da presunção de inocência pela conjugação com o devido processo legal, compreendendo o duplo grau de jurisdição como o direito de submissão da sentença penal condenatória a uma instância revisora (casos Tibi vs Equador e Mohamed vs. Argentina, da Corte Interamericana de Direitos Humanos e Domukovsky vs. Georgia e Gómez vs. Espanha do Comitê de Direitos Humanos).

A dimensão conferida ao princípio da presunção de inocência e sua compatibilidade com a execução provisória da pena vai ao encontro da necessidade de observância do princípio da proporcionalidade, que inclui a proibição do Estado de se haver com excesso, violando as garantias processuais penais do imputado, mas, também, a vedação de proteção insuficiente, pela qual o mesmo Estado deve zelar pela preservação de interesses caros tanto à sociedade quanto ao réu, como a segurança, a efetividade da jurisdição penal, a vida, a dignidade humana.

A baixíssima incidência de admissibilidade dos recursos excepcionais tendentes a modificar sentenças condenatórias nos Tribunais Superiores, em especial no Supremo Tribunal Federal, torna a mudança dessas decisões para uma absolvição uma rara exceção, cujo controle pode e deve ser realizado por meio de instrumentos processuais previstos pelo sistema, como o habeas corpus.

Em razão disso, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais - CNPG manifesta-se em favor do respeito aos precedentes do Supremo Tribunal Federal que reconhecem que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.

Brasília, 2 de abril de 2018.

SANDRO JOSÉ NEIS 
Procurador-Geral de Justiça de Santa Catarina
Presidente do Conselho Nacional de Procuradores Gerais - CNPG

 

Waléria Leite – Assessora de Comunicação / Jornalista

Imagem: ASSECOM