O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, por intermédio do 60º Promotor de Justiça de Campo Grande, Luiz Antônio Freitas de Almeida, propôs, no dia 1º de setembro deste ano, Ação Civil Pública contra o Estado de Mato Grosso do Sul e o Município de Campo Grande, para condená-los a prestar aos portadores de doenças neuromusculares o programa de assistência ventilatória não invasiva – incluído no Sistema Único de Saúde (SUS), mas ainda não disponibilizado em Mato Grosso do Sul.
Nos autos do Inquérito Civil nº 1/2010, da 32ª Promotoria de Justiça, ficou apurado que o programa tornou-se brigatório para os municípios de gestão plena desde 2008, por força das Portarias nº 1.370/2008, do Gabinete do Ministério da Saúde, e nº 370/2008, da Secretaria de Atenção à Saúde, no entanto o referido programa não foi implantado em nenhum município de MS. Aliás, esse programa sucedeu um outro de mesma finalidade que atendia apenas os portadores de distrofia muscular progressiva, um dos tipos de doença neuromuscular, o qual era obrigatório e estava incorporado ao SUS desde 2001, mas que também nunca foi posto em prática no Estado. Portanto, o atraso na implantação do programa dura 14 anos para os doentes com distrofia muscular progressiva e sete anos para os demais doentes neuromusculares.
O programa cobrado pelo Ministério Público Estadual é considerado de média complexidade e abrange tanto a disponibilização e manutenção domiciliar do ventilador volumétrico tipo “bilevel”, apto a realizar a ventilação nasal intermitente de pressão positiva indicada para esse tipo de enfermidade, com inclusão de fornecimento de material de consumo mensal (oxigênio) e a substituição semestral de máscara de gel com touca, como a avaliação e acompanhamento domiciliar de paciente com doença neuromuscular, consistentes na assistência domiciliar realizada pelo enfermeiro e/ou fisioterapeuta para orientação aos pacientes com doença neuromuscular submetidos à ventilação nasal intermitente de pressão positiva, quanto ao correto uso do ventilador “bilevel”. Além de avaliação mensal desses pacientes pelo médico do serviço especificamente cadastrado para prestar essa assistência, notadamente um pneumologista.
Consoante as indicações clínicas, as doenças neuromusculares, tais como a distrofia muscular progressiva, a esclerose lateral amiotrófica, neuropatia motora e sensorial, síndrome de Roussy-Lévy, entre outras, são enfermidades que levam à fraqueza muscular generalizada e atingem membros superiores e/ou inferiores, músculos da orofaringe e da respiração, o que acarreta dificuldades na alimentação, fala e respiração. Estas doenças podem ser provocadas por alterações do músculo, dos nervos periféricos, da junção músculo-nervo ou dos neurônios motores da medula espinhal e são causadas principalmente por alterações genéticas hereditárias. Os enfermos sofrem com a gradativa limitação de seu corpo físico – podem perder a habilidade de andar e até de movimentar membros superiores, coração e musculatura respiratória.
O programa ausente foi incluído no SUS com base em estudos que demonstraram que a ventilação, com auxílio de ventiladores volumétricos ”bilevel”, retarda a queda da capacidade funcional, atrasa ou impede a progressão da insuficiência respiratória e fomenta um ganho inegável de qualidade de vida pelo alívio dos sintomas de hipoventilação crônica em curto prazo e um aumento de sobrevida. Entre os sintomas da hipoventilação e agravamento das condições respiratórias do paciente, relacionam-se a fadiga, dispneia, cefaleia, além de outros sintomas que possam indicar a necessidade de suporte ventilatório: perda de peso, despertar frequente, sonolência excessiva, pesadelos de sufocamento, controle inadequado de secreção de vias aéreas superiores, pneumonias de repetição, depressão, perda de memória, irritabilidade, ansiedade, prejuízo intelectual, redução de libido, dor muscular e noctúria frequente.
O Ministério Público Estadual analisou as justificativas do Estado de MS e do Município de Campo Grande para a omissão nesses programas e considerou-as insatisfatórias. No curso da investigação, somente de repasses de verbas federais para custeio de serviços de saúde de média e alta complexidade, de 2008 a 2015, recebeu o Estado o valor de R$ 876.898.659,94 (oitocentos e setenta e seis milhões, oitocentos e noventa e oito mil, seiscentos e cinquenta e nove reais e noventa e quatro centavos); e o Município de Campo Grande, R$ 536.459.272,42 (quinhentos e trinta e seis milhões, quatrocentos e cinquenta e nove mil, duzentos e setenta e dois reais e quarenta e dois centavos), bem como que a própria Portaria nº 370/2008 já previa a forma de financiamento parcial do programa pelo governo federal. Como o SUS é financiado de forma tripartida entre União, Estados/Distrito Federal e Municípios, cumpria aos gestores de saúde estadual e municipal encarregar-se de aportarem os recursos faltantes, o que não foi feito. Além disso, a demora de 14 anos em relação ao programa que atendia os doentes com distrofia e de sete anos com os demais doentes neuromusculares foi considerada injustificada. Inclusive o Ministério Público comprovou que alguns doentes já entravam com ações individuais para receber o atendimento parcial devido, porém muitos, certamente por desconhecimento de seus direitos, podem estar padecendo sem o auxílio do programa, que ajuda a dar qualidade de vida a essas pessoas possuidoras de tais enfermidades.
Como houve recusa em celebrar Termo de Ajustamento de Conduta, o Ministério Público Estadual propôs Ação Civil Pública, na qual pede que o Estado de MS e o Município de Campo Grande prestem o programa de assistência ventilatória aos doentes neuromusculares em Campo Grande, bem como que o Estado também forneça o referido programa nos demais municípios de Mato Grosso do Sul que não sejam de gestão plena, algo que atenderá todos os doentes neuromusculares contemplados no programa, inclusive com obrigação dos entes públicos de realizar o cadastro desses enfermos.
A Ação Civil Pública foi distribuída na 1ª Vara de Direitos Difusos e Coletivos, Autos nº 0830687-89.2015.8.12.0001, com pedido de Liminar, que ainda não foi analisado pelo Judiciário.