Sete vereadores e cinco servidores públicos municipais foram afastados liminarmente de seus cargos e os representantes do Poder Legislativo ainda tiveram decretada a indisponibilidade de bens móveis e imóveis, em decisão do Juiz Substituto da Comarca de Ribas do Rio Pardo/MS, Evandro Endo, baseada em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, com pedido de afastamento cautelar do cargo e indisponibilidade de bens “inaudita altera pars”, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, em face dos vereadores e dos funcionários.

O caso está relacionado à “farra de diárias” na Câmara Municipal daquela cidade pagas indevidamente para aumentar os ganhos mensais dos vereadores, além de gastos exagerados ocorridos com contratações de empresas terceirizadas de informática, publicidade, assessorias jurídicas, contábeis e fornecedores diversos, com realização de procedimentos licitatórios fraudulentos. Esse caso inclusive foi motivo da Operação Viajantes desencadeada pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO) e a Promotoria de Justiça de Ribas do Rio Pardo, voltada ao cumprimento de 14 mandados de busca e apreensão, sendo 13 na cidade de Ribas do Rio Pardo e um na cidade de Campo Grande.

A ação é resultado de investigação conduzida pela Promotoria de Justiça de Ribas do Rio Pardo, que apurou irregularidades no pagamento de diárias a Vereadores e servidores e "esquema criminoso" de desvio de recursos públicos, por meio de contratações de empresas sem licitação e/ou por meio de procedimentos licitatórios que não passavam de um farsa, para beneficiar empresas de familiares e de amigos dos agentes públicos. Algumas empresas contratadas possuem características de "fachada". Segundo revelou a investigação, os agentes políticos teriam forjado viagens e participações em eventos e reuniões fora do Município, isto para receberem indevidamente valores relativos a diárias. Conforme levantamento realizado, de janeiro a setembro de 2014, o Legislativo de Ribas do Rio Pardo teria consumido cerca de R$ 600.000,00 de recursos públicos com o pagamento de diárias, que chegariam ao valor de R$ 750,00 para cada dia de deslocamento dentro do Estado, e R$ 1.500,00 para cada dia de viagem fora do Estado.

O Juiz afastou liminarmente os Vereadores Adalberto Alexandre Domingues, Antonino Ângelo, Diony Erick, Vereador Cláudio Lins, Fabiano Duarte, Célia Regina, Justino Machado; dos servidores públicos Cacildo Pedro Camargo (Diretor), Walter Antonio (Contador), Marcos Gomes da Silva Junior (pres. Comissão de Licitação), Gil Nei Paes da Silva (pregoeiro) e Natanael Fernandes Godoy Neto (assessor jurídico), nos termos do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92). Na ação do MPMS ainda são denunciados o Instituto Sul Brasileiro de Administração Ltda (ISAP), 2D – D&D Organização Ltda e Edmilson Dias Barbosa.

De acordo com o Juiz Evandro Endo, o Ministério Público, no seu inquérito civil, fez trabalho detalhado, minucioso, colhendo significativo material probatório, que será apreciado com detença no momento apropriado, que permite até deixar em segundo plano a prova testemunhal. Entretanto, restou claro que mesmo após o início das investigações (abril/2013) os ilícitos continuaram, inclusive havendo relatos de coação de vereadores, bem como impedimento de atuação independente e livre dos demais agentes políticos, o que influenciou a não-abertura de procedimento de apuração de eventual quebra de decoro parlamentar em face da vereadora Lucineide, configurando a fumaça do bom direito.

Indisponibilidade de bens

Com relação à decretação de indisponibilidade dos bens móveis e imóveis em nome dos vereadores, o Juiz ainda incluiu os ativos financeiros (aplicações financeiras, depósitos, créditos, títulos, valores imobiliários, ações, moeda estrangeira etc.), que sejam encontrados em seu nome ou no de sua cônjuge, depositados ou custodiados a qualquer título em instituições financeiras no País ou no exterior, determinando-se o imediato bloqueio dos saques, resgates, retiradas, pagamentos, compensações e quaisquer outras operações que impliquem em liberação de valores, e que os saldos porventura existentes, bem assim os que vierem a existir, sejam transferidos à Conta Única do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, vinculada ao processo, para que fiquem à disposição desse Juízo, ressalvadas as contas próprias para o recebimento de verbas alimentares (salários, vencimentos e/ou proventos).

Também solicitou  à Receita Federal para que remeta ao Juízo de Ribas do Rio Pardo as declarações de Imposto de Renda dos réus acima referidos dos últimos 5 (cinco) anos; à Receita Federal, ainda solicitou, após consulta ao Cadastro de Imóveis Rurais  CAFIR (Lei nº 9.393/96), informações acerca da existência de imóveis rurais no País, em nome dos réus, para viabilizar a efetivação da medida judicial nos respectivos cartórios de imóveis.

Ainda solicitou aos cartórios de registro de imóveis de Ribas do Rio Pardo/MS e Campo Grande/MS, com a expedição de certidões acerca da existência de bens imóveis em nome dos réus ou de seus cônjuges; e, acaso sejam identificados imóveis, que não seja efetuada nenhuma transferência ou oneração até segunda ordem judicial, registrando-se na respectiva matrícula o bloqueio.

O Juiz ainda determinou ao Departamento de Trânsito no Estado do Mato Grosso do Sul, que não efetue nenhuma transferência ou oneração de veículos acaso existentes ou que vierem a existir em nome dos requeridos (permitidas apenas eventuais transferências de veículos de terceiros para os requeridos, as quais deverão ser imediatamente comunicadas ao Juízo), e para que forneça os dados completos dos veículos registrados em seus nomes.

Participação individual

Na ação o Ministério Público do Estado descreveu a participação individual de cada réu no suposto esquema criminoso: 

Betinho: Presidente da Câmara de Vereadores de Ribas do Rio Pardo/MS, autor intelectual e articulador dos pagamentos indevidos de diárias, contratação irregular de empresas, pagamento de pensão alimentícia de filha com dinheiro público, saques na boca do caixa do Supermercado São Marcos, lista de pagamentos ao empresário Rinaldo Nunes Rocha, possuindo poder de mando sobre os demais colegas, com elaboração de estratégias de defesa perante autoridade policial e do MP, além da aquisição de bens em nome de "laranjas", incompatíveis com o subsídio auferido pelo cargo de vereador.

 Antonino Ângelo: Vice-Presidente da Câmara e pessoa próxima a Betinho, auxiliou na “regularização” da participação do curso de Curitiba/PR, sendo que em sua residência foram apreendidos 28 (vinte e oito) certificados de participação do parlamentar em cursos, o que representa 67 (sessenta e sete) dias fora da cidade, com recebimento de R$ 55.300,00 de diárias, havendo documentos de que supostamente chegou a estar em três lugares ao mesmo tempo. Recebeu valores em dinheiro do Supermercado São Marcos, utilizando recado assinado pelo Presidente da Câmara “atenda o Vereador Ângelo”.

Diony: 1º Secretário da Mesa Diretora. Recebeu diárias indevidas. Participação em conluio fraudulento arquitetado pelo Presidente para realizar manobra para arquivar a instauração de procedimento por quebra de decoro parlamentar contra a colega e vereadora Lucineide Marques Nossa, processada criminalmente por crime de concussão (ACP nº 0800776-43.2014).

Fabiano Duarte: Ex-secretário. Recebimento indevido de diárias com apreensão de documentos. Em sustentação oral na Tribuna da Câmara em tom de intimidação afirmou ao saber da intimação do Delegado de Polícia para depor: senão, só vai aparecer Fabiano Duarte. Nas minhas lutas e caminhadas de bairro, quando a coisa esquentava lá, eu sempre dizia assim: atira covarde. Hoje tem um refrão, bordão e um grito de guerra do saudoso Bezerra da Silva: Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão.

Cláudio Lins: 2º Secretário, atuava ao lado dos demais comparsas no patrocínio de contratações de despesas desnecessárias e indevidas, por meio de fraude em procedimento licitatórios. Os agentes policiais do GAECO apreenderam na residência dele a lista de presença “em branco” e certificados de alguns Vereadores relacionados ao curso de Curitiba de que não participaram. Até setembro/14, o 2º Secretário recebeu R$ 49.000,00 de diárias. Conforme relatório de investigação, logo que assumiu o cargo, o Vereador comprou uma camionete Amarok 0 km (avaliada em R$ 120.000,00), porém, devido aos comentários na cidade e ao fato de populares o ter chamado de “vereador Amarok”, numa das sessões da Câmara, o parlamentar nunca mais foi visto com o veículo.  Ao ser ouvido nesta Promotoria de Justiça, o Vereador lavou as mãos sobre eventuais ilícitos praticados pela Administração de que faz parte. Interceptação telefônica em que Cláudio diz em tom de brincadeira e deboche que está no curso em Campo Grande faz horas. Apresenta movimentação e aplicação financeira considerável em relação ao subsídio do vereador.

Diony Erick:1º Secretário da Mesa Diretora, o Vereador ocupava posição destacada na estrutura do organização, omitindo-se dolosamente das funções ao cargo no tocante à fiscalização dos gastos da Casa. Cooptado pelo sistema, o Vereador omitiu-se do cumprimento de seu dever, colhendo proveitos  econômicos por meio de recebimento de incontáveis diárias. Os agentes policiais do GAECO apreenderam na residência e na sala do Vereador  20 (vinte) certificados de participação do parlamentar em cursos, o que representa 49 (sessenta e sete) dias fora da cidade, com recebimento de R$ 52.200,00 de diárias (ACP nº 0800840-53.2014). De rigor, estes certificados deveriam constar dos relatórios de viagem, entretanto, estavam na casa do Parlamentar. Ademais, ao ser ouvido nesta Promotoria de Justiça, o Vereador lavou as mãos sobre eventuais ilícitos praticados pela Administração, anuindo aos gastos irresponsáveis e aos desvios de recursos públicos protagonizados pelo "chefe" do bando, o Vereador Betinho. 

Pedro Cacildo Camargo: Diretor Administrativo. Homem de confiança do Presidente, o “faz tudo”, sendo ele quem recebe dinheiro em mãos, repassa dinheiro aos participantes do esquema, cobra propina de fornecedores da Câmara, efetua saques em dinheiro na boca do caixa do Supermercado São Marcos, recebe diárias indevidamente, tem parentes (filho) que possuem contrato direto com a Câmara.

Walter Antônio: Contador. “Maquia” a contabilidade e “encobre” os desvios do dinheiro público. A empresa da filha (FAMMA) mantém contrato com o legislativo. É pessoa de confiança de Betinho. Declarou perante o MP que cumpre parte de sua jornada de trabalho em Campo Grande, em sua casa. Orientou um servidor a confeccionar portaria de sua nomeação para o cargo de Presidente da Comissão de Licitação da Câmara com data retroativa. Domiciliado na Capital, o servidor usava os cheques da Câmara para pagar diárias a si mesmo, para participar de eventos na capital. Na interceptação telefônica, Walter fala para filha ficar tranqüila QUE ISSO NÃO VAI DAR NADA; NÃO VAI PRA FRENTE

Célia Regina e Justino Machado (Tino): recebimento indevido de diárias. Por serem políticos experientes, participam das reuniões realizadas pelo grupo acima mencionado, aconselhando e orientando os mais novos no tocante à tomada de decisões e tratamento dos fatos em análise. Ambos participam de reuniões para planejar a melhor estratégia de defesa sobre as diárias de Curitiba/PR. Justino intermedeia ao que indica alguma negociação para ajudar Betinho a arranjar dinheiro para os honorários de advogado que atua nas ações civis públicas ajuizadas até então.

Marcos Gomes (Presidente da Comissão de Licitação), Gil Nei (pregoeiro) e Natanael Godoy (assessor jurídico): auxiliaram no impedimento do caráter competitivo dos procedimentos licitatórios, direcionando os certames para determinados concorrentes, omitindo-se do dever de publicar editais, repetição de licitações desertas com as mesmas participantes da anterior licitação também deserta, pesquisa de preços com empresas de ramos diversos do objeto do edital.

Dos documentos apreendidos pelo GAECO-MP.

Pelos levantamento preliminares dos documentos apreendidos pelos agentes policiais do GAECO, há fortes suspeitas de desvios de mais de 3,5 milhões de reais. Gastos com publicidade, mais de R$ 600.000,00; Informática, quase R$ 900.000,00, entre outros.

A Câmara de Ribas era pródiga em gastos desnecessários e superfaturados. 

Neste sentido, chama atenção as despesas pagas pela Câmara em Churrascarias. O GAECO apreendeu na residência do Presidente da Câmara cupons fiscais de despesas de vereadores e servidores em churrascarias na capital e nesta cidade, pagas com dinheiro público. A irresponsabilidade era tamanha que, pelos levantamentos iniciais, nossos edis refastelavam-se em Churrascarias de Campo Grande, ao custo de  R$ 9.554,60, R$ 13.100,00, R$ 1.426,00 e R$ 1.760,00.

Foto: Viatura do GAECO em frente à Câmara Municipal de Ribas do Rio Pardo durante a operação desencadeada naquela cidade